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Dias Comuns de um Diário Fechado- A primeira noite de uma jovem prostituta

Ela parou, olhou, suspirou. Pigarreou, coçou a cabeça e assobiou nervosamente. Uma saia curta vermelha que nunca usara antes. Uma maquiagem que seus pais nunca a deram antes. Um olho perdido como nunca estivera antes. O cigarro incomoda. O frio era mais frio do que supunha que fosse. Certa vez achou que aquelas mulheres não sentiam frio. Elas riam em bandos, com seus cigarros fedorentos e suas cervejas quentes. Tinha um visual dado, os cabelos longos e mínimas roupas. Ela nunca achou que um dia estaria nessa. Que estaria naquela posição. A rua estava vazia entre o terminal de ônibus e a esquina que dava pra uma praça arborizada e com iluminação precária. Seus olhos estavam dilatados e sua língua seca.

Ao aproximar-se do local em que colaria seu corpo à venda pela primeira vez em 19 anos, a jovem X parou e respirou. De longe viu duas prostitutas se jogando para rapazes num carro estacionado mais a frente. Ela observou e observou. Umas delas mostrou os seios. A outra colocou a mão para dentro do carro e fez algo. Risos no ar. A porta do outro lado do carro abriu. Elas deram a volta e entraram. Em seguida o carro arrancou. Ela então continuou a andar, só que agora pesadamente. Olhou em volta assustada e apenas algumas poucas figuras escusas pairavam aqui e ali. Uns traficantes, uns usuários de drogas, cafetões, mais prostitutas, vendedores de churrasco no espeto e marginais. Essa era a noite que ela não conhecia. Dura. Cruel e amendrotadora.

Ela lambeu os lábios e rumou para uma esquina que não tinha ninguém. Ficou debaixo do julgo de uma luz amarelada de um poste com panfletos diversos. Puxou um cigarro vagabundo do bolso, acendeu, puxou e baforou. Encostou-se no poste e por um momento sentiu um peso enorme. Algo que lhe corria a espinha e entrava por entre as pernas. Levantou os olhos em lágrimas contidas. Tinha de fazer. Ela sabia disso. Seria mais fácil se ela pensasse que é porque tem de ser assim. Mas ela não pensa. Só sabe que terá de fazer. Ela agora depende disso. Está fora de casa. Mas nem sempre foi assim. Já viu lugares lindos e conheceu pessoas interessantes. Hoje, ela conhecerá a cerne da outra face. Aquela que eleva o maior instinto de todos. Aquele que carrega em nossa humanidade desde que ela se formou.

Os carros passavam com suas luzes a iluminando no rosto brevemente. Um ônibus ou outro também circulam por ali e uma viatura da polícia dá a volta na área e sai de vista. Tudo parece em tons de sépia para a jovem moça X. Tudo parece escuro. Então dobrando a esquina dois homens se aproximam. Um deles é grande e já parecia ter uns 30 anos a mais que ela. O outro era um jovem com uma garrafa de cachaça na mão. Eles caminhavam em sua direção. Seu coração bateu forte e o segundo cigarro que acabara de colocar na boca, quase virou uma bituca duma tragada só. Sua espinha foi percorrida por um medo repentino. Os dois homens se aproximaram. Chegaram perto. Cheiraram ela. Falaram algumas gracinhas. A apertaram pela cintura. Ela quase teve uma reação de repúdio, mas logo caiu em si. Um deles tocou nos pequenos seios que parecem que foram moldados por um artesão. Ela tentou sorrir e um deles colocou a mão debaixo de sua pequena saia. Ela recuou um passo e eles estranharam. Ela gaguejou algo sobre “... só com dinheiro...” e eles se entreolharam e riram.

O mais velho se afastou e pegou o celular. Ligou para alguém. Ela não podia ouvir o que ele dizia, mas fazia gestos grosseiros e ria o tempo todo. Então ele se voltou para ela e perguntou quanto era o programa. Ela deu um preço. Bem abaixo do que eles esperavam. Aceitaram na hora. Para os dois. Ela disse “O quê? Os dois?” e eles consentiram com a cabeça. Ela pensou e pediu mais. Eles perguntaram sobre sexo anal. Ela disse que não. “Sem problemas”, o mais novo falou. E logo um carro com mais dois homens apareceu. Ela respirou fundo. Se sentiu uma vítima. Se achou um minhoca no meio dos tubarões. Todos estavam bêbados e ela perguntou “Só faço com dois” e voltou a repetir para enfatiza “Só faço com dois”...! Eles riram um na cara do outro e arrastaram para dentro do carro.

Aquela foi sua primeira esquina. Fria, amendrotadora e em tons de sépia. Pode ter sido sua última. Pode ter mudado de ponto. Pode ter desistido. Quem sabe...?

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