Não era uma tarde cinzenta ou chuvosa. Não havia folhas secas caindo em câmera lenta. Do outro lado da rua o carro do policial civil Antônio Pinto. Antes de descer ele não pega um cigarro, acende e faz uma pose esperando fazer uma entrada triunfal numa cena de crime. Ele na verdade passa a mão no bolso e pegar uma bala de hortelã, pois sua esposa dissera a ele que estava com mal hálito. Ao descer uma multidão acompanhava com os olhos, mas isso era comum em sua profissão. Uma repórter muito bonita grita por seu nome. E não, ele não teve um caso com ela. Seria muito clichê. Ele a ignora, está com dor de cabeça por conta da escola do filho- e não, o garoto não é problemático, as contas do colégio é que estão salgadas. Seja como for, Antônio caminha como se não estivesse interessado naquilo tudo. De longe ele vê um corpo no chão, sangue, legistas finalizando as preliminares e alguns investigadores no local. Quebra a balinha nos dentes e ao chegar, olhou com desdém para o defunto:
- Quem era? Não tinha cara de ser boa gente- faz um comentário frio e tendencioso.
- Ficha puxada. Acusado de vários crimes tanto quando era de menor, como agora, depois de adulto- responde uma policial de braços fortes e cintura arredonda.
- Então foi queimar no inferno. Acerto de contas. Primeira parte resolvida.
Antônio saiu de perto pensando em café, mas sabia que logo teria que preencher papeladas e inciar uma investigação- mais uma em cima de sua mesa. Suspirou desinteressado quando uma criança de uns cinco anos passou por ele seguido por uma moça que num deveria ter nem vinte. Já viu muito isso; a choradeira, a negação; eles nunca aceitam. Mas aí ouvir a jovem gritando com ele, xingando com os palavrões mais baixos e cabeludos possíveis. Isso chamou a sua atenção. Ele parou e ficou observando aquela jovem moça xingar e até cuspir no cadáver. Fátima, a policial de braços fortes e cintura arredondada- logo tratou de tirar ela de perto. Antônio achou que o show tinha acabado quando a mulher puxa um revólver calibre 30 da pequena bolsa que carregava e dispara contra o corpo- mas apenas duas balas deflagaram nesse primeiro momento. A policia primeiro foi pego de surpresa e em seguida a mulher foi rendida quando antônio pulou por cima dela e nem ele acreditava no que estava fazendo.
Para surpresa de Antônio, sua visão rareou por alguns instantes, viu algumas estrelas e caiu com a boca aberta de cara no chão lhe quebrando alguns dentes. Muita gente correu para cima e logo se viu que o policial havia sido baleado no peito. Antônio estava em choque. Queria que tudo fosse clichê. Queria que a repórter fosse a sua amante, que ficasse no carro e puxasse um cigarro. Queria que estivesse chovendo e ventando. Queria que seu filho fosse um delinquente para lhe ensinar algumas coisas. Mas naquele momento percebeu que ele era só uma casca. Do outro lado da rua ainda que houvesse muita gente em volta, gritos e sua boca estivesse ficando sem sangue, ele viu um policial de meia idade sair de uma viatura. Parecia desmotivado, aparentemente com alguma balinha na boca. Não estava chovendo nem nada. O policial se aproximou:
- Quem é? O que aconteceu?
Um outro militar respondeu meio afobado- Policial Civil, mas ouvir dizer que é corrupto. Tomou um balaço no peito sem querer- pelo menos foi assim que Antônio acha que ouviu.
- Então que queime no inferno.
Nessa hora Antônio queria ser clichê, mas a vida não é clichê. Alguém chorava do outro lado, suas mãos estavam frias e o chão parecia gelo.
No outro dia choveu. Fez vento. Alguém saiu do carro acendendo um cigarro. As folhas secas caíram. Era o clichês que Antônio sempre sonhou para ele, mas não o viu como ele gostaria de ver.
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