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Conto...


Sangue Maldito



Prólogo.



Os pampas gaúchos. Era um dia de muita chuva no verão de 1965. Miguel, um jovenzinho de 12 anos, percorria o campo típico da Fazenda Vaqueiro do Sul, que pertence ao Senhor João Carlos Matos, procurando chegar logo a casa onde vive com seu pai e mãe, empregados do dono das terras. Sua visão estava turva e lacrimosa. A chuva era muito densa e lhe parecia insistentemente incomodante. Trovões e relâmpagos cortavam as nuvens pesadas e cinzas. Já era tarde, quase noite. Miguel estava vindo de uma vila próxima chamada Santa Maria. São dois quilômetros de Santa Maria até a casa onde vive na fazenda do Senhor João Matos, que também morava nas proximidades. O pequeno correu quase a tarde toda quando por fim, a chuva começava a garoar. Entanto, o que menos preocupava Miguel era a chuva ou a distancia. Esse jovem estava bastante nervoso. Quando já está perto da casa em questão, com portas velhas e janelas de vidros sujos e trincados, Miguel escuta um tiro. Um barulho oco e assustador. Ele pára com seu coração emudecido. Seus olhos se mexiam loucamente. Suas mãos tinham pequenos espasmos involuntários . Sua garganta ficara seca e as pernas bambas. Miguel agora caminha a passos curtos. Quase congelados. Para entrar pela porta da frente, há uma pequena escadaria com um passadiço de madeira. Miguel sobe com passos pesados, como se estivesse com chumbo amarrado em seu pés. O rangido da madeira velha lhe soa de maneira perturbadora. Foca os olhos arregalados na porta semi- aberta. Um bruxuleante facho de luz atenta para escapar por àquela abertura. Com certo temor, Miguel vai ficando muito perto da porta. Seus pés desnudos fazem com que a madeira solte um ruído fraco. Mas seu coração parece bater mais alto que o som da madeira do piso, tanto que acha que alguém pode escutá-lo.



Miguel reúne toda a coragem que tem no momento e empurra a porta um pouco. Um rangido macabro se faz escutar. Os pêlos da nuca de Miguel ficam eriçados. Primeiro, olha dentro da sala. Há uma luz muito fraca de um lampião perto de uma mesa com quatro cadeiras. No canto da sala há ainda um quadro muito velho cuja a pintura estava estragada. Em outro extremo, um pequeno armário com algumas bebidas. Mas o olhar de Miguel estás em verdade concentrado na parte esquerda da sala. Uma passagem que leva para outros cômodos da casa. Miguel já sabe que não havia ninguém ali. Não na sala. Então foi caminhando até a passagem esquerda que levava na verdade à cozinha. Miguel tinha medo do que poderia encontrar. Gotas de seu cabelo molhado desciam pelo seu rosto carregado pelo medo. Qualquer um que vivesse naquela região sabia o que se passava na casa de Miguel. E ele sabia que um dia como esse chegaria cedo ou tarde. Com lágrimas escorrendo por seu rosto juntando-se as da chuva, Miguel segue por um corredor até a cozinha. Então, com muita dificuldade, ele enxerga um corpo inerte no piso. O sangue ainda jorrava no chão. Miguel começa a chorar. Sua respiração fica rápida e pesada. Leva sua mão a boca e então vê seu pai com uma espingarda chorando demasiadamente. A mulher que está no chão é a mãe de Miguel. O garoto caminha em direção a seu pai e abraça aquele homem grande e peludo.



A espingarda ainda estava quente. Com apenas doze anos, Miguel entendia o que havia acontecido ali. Ele sabia que as cosas mudariam agora. Muitas, na verdade. Nova vida, talvez. Mas nunca o futuro lhe pareceu tão sombrio e tão incerto. Com sua pequena mão por sobre a mão de seu pai, Miguel olhou para o corpo imóvel de sua mãe. Parou de chorar e levantou-se com seu pai. Quase como um sussurro, Miguel dirigiu-se a seu pai ainda em soluços:



- Papai... eu terei mesmo que ir agora, para casa de minha tia Joana?


O homem grande e peludo, que parecia muito triste, apenas disse uma palavra e com muito pesar:


-Sim.


***

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