Pular para o conteúdo principal

Dias comuns de um diário fechado- Adeus!


Ana Clara irrompeu o quarto intempestivamente com lágrimas nos olhos e a boca serrilhada. Sua testa estava franzida e os punhos cerrados enquanto as palavras ainda estavam atravessando seu córtex em busca de falar toda a profusão de sentimentos que lhe atingira. Na cama sentado calçando um sapato de cor caramelo e com duas bolsas do lado estava Gabriel. Sujeito alto e cabelos curtos e loiros. A barba lhe cobria o rosto e seus olhos verdes estavam concentrados em encaixar o calçado em seu pé. Ana Clara parou de fronte para ele e o encarou por longos dois minutos. Ele parou o que estava fazendo, mexeu em umas das sacolas, tirou algo e pôs de volta. Levantou-se sem olhar para Clara. Esta por sua vez o agarrou pelo braço e o indagou pesarosamente:

- O que pensa que está fazendo, Gabriel? Aliás... como ousa--

- Ei!- cortou Gabriel com sua voz grave afastando a mulher- olha só. Não está funcionando. Eu, você... tudo isso. Sabemos por quê. Acha que sou burro, Ana Clara? Acha que quero ficar nessa vida de faz de conta? Não. Obrigado.

- Não seja tão egoísta. Acredita que não sofro tanto quanto você? Olhe pra mim quando falo. Acha que não sofro? Acha que a perda do nosso filho-- por Cristo, Gabriel. Ele era meu filho também, seu cachorro. Meu filho também! Eu preciso de você. Comigo!- grita ela nas últimas palavras.

- Acha mesmo que podemos viver assim? Admita, Clara. A única coisa que segurava a gente era isso. Era ele! E esses são os motivos errados. Você é jovem... eu também... vamos apenas dar as costas um pro outro e...

Gabriel não continua a frase. Olha para o relógio de pulso, respira fundo, baixa a vista e retorna a olhar para Clara de forma mais desarmada. Passa a língua entre os lábios e solta outro suspiro. Caminha até ela que fica parada olhando para o chão com as lágrimas lhe correndo as maçãs rosada do rosto pálido e pesado. Ele a toca com as pontas do dedo em seu queixo e o ergue até que os olhos de ambos se encontrarem nervosamente. Ele a abraça forte. Sente o coração pulsar em seu peito. Ela engole em seco e aceita o abraço. Momentos depois ele se afasta ainda encarando a pequena. Tentando achar as palavras certas, Gabriel vai até suas coisas. E por fim fala:

- Me esqueça. Esqueça a gente. Esqueça nosso filho. Nós dois fomos um erro. Desde o começo. Eu não te amo, Ana Clara. Nunca te amei. Aquela noite na casa da Joana foi um erro. Aconteceu... transamos... foi bom. O resto foi essa merda toda. Vá viver a sua vida. Vou voltar pra Belo Horizonte. Os ares aqui de Curitiba não me fizeram bem.

- Seu filho da puta!- fala Clara numa mistura de raiva e tristeza.

- Da próxima vez, tome pílulas.

Gabriel pega suas duas bolsas e corta o quarto rumo à porta. Sem olhar pra trás ou dizer adeus. Ana Clara se ajoelha no chão e cai num choro longo e agonizante. Seus dedos apertam-se uns contra os outros e sua alma pedia por uma clemência que sabia que não alcançaria.

Comentários