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Dias Comuns de um Diário Fechado- Beijos, Balas e um Romance

Todos os dias, quando Michel voltava pra casa da escola de Ensino Médio que ficava fora da favela do Bode Morto, zona periférica da cidade Recife, ele fazia questão de pegar uma rua paralela só pra poder acompanhar Claudinha. Eles iam conversando sobre qualquer coisa, mas o intuito de Michel era mesmo está ali, perto dela. Isso já era bom o suficiente. Sua casa ficava umas duas quadras depois da favela, numa casinha simples próxima a um posto de gasolina. Seu pai sempre dizia para ele nunca tomar o atalho por dentro da favela, mas quem ligava? Claudinha tinha olhos castanhos claros, pele escura e cabelos cacheados até a altura dos ombros. E tinha um cheirinho gostoso. Quando ela sorria, era como se o sol saísse de detrás das nuvens logo após um dia de chuva chato e arrastado.

Michel gostava de olhar a forma como ela mordia os lábios ou arrumava o cabelo por detrás da orelha, que teimosamente voltava a sair de lá, onde sua dona o deixará. Eles se davam muito bem. Sempre conversavam durante os intervalos e gostavam das mesmas músicas. Todos achavam que eles namoravam, coisa que qualquer um acharia quando visse a aproximação dos dois. Eles sabiam dessas conversas, mas não ligavam. No fundo é o que queriam e isso é só uma questão de tempo. Ainda estavam naquela fase do flerte. Ele era tímido e ela também era bem acanhada, o que diminuía o ritmo do alcance do namoro. Mas era mesmo só questão de tempo, sabia Michel.

Certo dia depois da aula, Michel acompanhava Claudinha com sempre fizera. Mas dessa vez ele suava em bicas, suas mãos estavam geladas e seu sorriso era amarelo. Claudinha que conhece bem o rapaz notou o nervosismo dele. Eles pararam a uma quadra da casa dela. Ele a olhou nos olhos, engoliu toda a saliva que tava em sua boca e duma baforada só falou:

- Eu quero ficar com você. Namorar com você! Será que eu...

Não chegou a completar a frase. Claudinha nem sequer falou nada. Só o abraçou e o beijou. Era uma mera formalidade esse pedido, sabendo o que os dois sentiam. Quando seus corpos se chocaram um no outro, foi como se um alivio imediato atingisse o casal. Um abraço forte, apertado, seguido de um beijo demorado na boca, com ofegação e carinho. O toque na mão era o atestado assinado de que estavam juntos e ficariam assim. Por muito tempo. O máximo que pudessem. Nada à volta dos dois fazia alguma diferença ali. Nada mesmo.

Era final de tarde quando de repente sirenes tocam. Sirenes da polícia. De longe já se podia escutar os estampidos dos tiros, fogos e gritaria. Claudinha ficou com o coração batendo forte e Michel petrificado. Depois que os disparos chegaram mais próximos, ambos correram para o lado aposto, procurando um lugar para se esconderem. As pessoas corriam também como baratas tontas e aos berros.

O cérebro de Michel estava a mil. Os olhos dilatados e ele pensando que não haveria hora pior pra isso. Eles correram para um bar que estava fechando as portas na hora com toda a confusão. Eles se jogaram pode debaixo da brecha que sobrara até que o dono fechou por completo. Eles se agacharam do lado esquerdo, perto das mesas de ferro e engradados. Suas mãos se apertavam firmes e fortes. Ficaram ali. Parados. Inertes. E por um momento, quando ela o olhou, sentiu um alento. Ficou calma e serena. Mesmo com todo o barulho do lado de fora. Ela o beijou no rosto, e sussurrou algo em seu ouvido. Depois ele apertou sua mão e o sorriu pra ela. E foi nesse momento que ambos viram o quanto significavam um pro outro. Não era só mais um namoro. Não era um “fica”. Era mais. Forte e único. Aquela coisa que bate e fica. Ainda eram jovens. Ainda tinham muita vida pela frente. No verão seguinte do ano de 1996, os dois mesmo com pouca idade, resolveram morar juntos. Ainda não tinham emprego que os desse esse desejo, mas foi uma decisão tomada e dali em diante, fosse como fosse, seria como no dia na favela. Estariam juntos. Dando a certeza um para o outro. Não era uma história sobre amor. Era a história sobre a união. Sobre enxergarmos o que realmente importa. O amor já estava ali. Era mais uma questão de visão. Eles viram isso.

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