
Mas ele estava positivo e gruda os olhos na égua. Ela corta a primeira etapa em quinto lugar tomada de assalto pelo cavalo Ferro Quente, que segue bufando atrás dela. Os cascos atingem o solo a mais de 70 quilômetros por hora. A areia salta alto com todas aquelas pernas fortes tentando correr o mais rápido que podem. O jóquei da Vento Curto acerta com a vara na lateral esquerda da égua e puxa arreio para a direita, ela sacode a cabeça e dá uma guinada para o lado tirando Ferro Quente da jogada e depois segue em disparada para alcançar Negro Veloz, um cavalo de porte que já ganhou várias vezes aqui, mas estava em terceiro lugar. Já dobrando para a segunda etapa, os cavalos se amontoam um perto do outro tentando cabeça a cabeça estarem à frente. O barulho dos cascos na piçarra era como o marchar de uma tropa em fúria. As pessoas gritavam nas arquibancadas tentando empurrar suas apostas para frente. Ezequiel gesticulava e tentava dar apoio moral, mas claro, que naquela altura, ninguém lá dentro das raias escutaria aqueles gritos. A égua Vento Curto já estava emparelhando com Negro Veloz e os dois ficaram lado a lado entrando na última etapa da corrida. Os olhos dos animais só faltavam lhe salta da cabeça e o esforço muscular era estrondoso. Ezequiel gritava pra a égua ao mesmo que cutucava um sujeito do seu lado dizendo “É ela. Ela vai ganhar...” e o cara nem prestava atenção porque o cavalo em que apostara estava em último. Como diria a esposa que perdeu o dinheiro da feira do dia seguinte? Para Ezequiel, era problema dele. Já apontando na reta final, Vento Curto estava a uma cabeça de Olhos de Fogo, o cavalo branco que estava na frente e a meio corpo de Negro Veloz que estava atrás.
O bufar dos animais era de dar agonia. Eles lutavam por cada pequeno espaço. Por aquela passada a mais que daria os louros. Ezequiel engolia em seco quando os cavalos emparelharam de vez e ninguém sabia quem estava de fato à frente. Ele se calou e arregalou os olhos tentando acompanhar aqueles passos pesados. Pescoço a pescoço. Corpo a corpo. A areia subia e os cavalos já estavam na linha de chegada. Olhos de Fogo cai derrubando seu jóquei e Vento Curto cruza em primeiro lugar. Nunca ganhara uma corrida, mas naquela noite sim, para a alegria de Ezequiel. Pulou, cuspiu fora o cigarro, deu um grito de vitória e correu em direção ao guichê para pegar seu dinheiro com a aposta na mão. Correndo entre a multidão, ele se depara com uma pequena confusão. Dois homens brigando. A polícia apitava do outro lado em direção a briga. Ezequiel correu na lateral da luta quando um deles, um home baixo e careca parte para cima do outro com um gargalo quebrado que se desvia na última hora e acerta o abdômen de Ezequiel abrindo-lhe um corte lateral na altura dos rins. Imediatamente ele cai no chão no meio das cadeiras. As pessoas correm para ajudá-lo. Os briguentos param a briga para verem o ocorrido. A polícia chega um pouco depois e segura os arruaceiros que brigavam por conta de uma aposta. Ezequiel não tinha a ver com aquilo, mas parece que ficou no meio na hora errada.
As pessoas gritavam alguma coisa que ele não entendia mais. O bilhete estava em sua mão segura. Uma mulher alta e magra se aproximou. Loira e de olhos castanhos claros ele achou que fosse um anjo. Esboçou um sorriso, mas lhe faltara força. Estava perdendo muito sangue e seus lábios já estavam brancos. Ela rasgou alguma coisa e o virou. Amarrou no corpo de Ezequiel dando a volta em sua cintura e acochando bastante. Ele lembra apenas de que viu estrelas e depois tudo ficou escuro.
Santa casa de Misericórdia, amanhecer seguinte. No leito do hospital, Ezequiel acorda meio grogue, meio desnorteado. Olha para do dorso da mão e nota o escalpe do soro. Olha em volta e vê 4 leitos sendo que apenas o dele e outro mais a direita para trás tem outra pessoa. Sente uma dor aguda vindo de seu abdômen e então começa a lembrar do que aconteceu. Só não sabe como foi para ali, até que Suzete aparece. A loira de olhos castanhos.
- Bom dia, senhor. Como estamos hoje?
- No céu?- respondeu Ezequiel olhando para e depois para o forro branco do teto.
Ela sorriu levemente e o tocou no pulso.
- Estou no hospital?
- Sim.
- Quer casar comigo?
- Não desta vez. - ela diz enquanto observa o soro.
- Um dia, quem sabe.
Então ele recostou a cabeça no travesseiro e olhou para o lado, onde dispunha de uma mesinha com água. Ele cerrou os olhos e notou um papelzinho ali. Quando ficou melhor viu que o bilhete premiado estava lá. As coisas iriam começar de fato a partir dali. Daquele momento.
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