
Eu achava que só eu pensava assim, mas uma entrevista com o criador do Zé Gatão, o artista Eduardo Schloesser, conduzida por Michelle Ramos, mostra que alguns artistas pensam como eu em vários pontos. O grande Schloesser se mostra um cara consciente, sóbrio do que funciona e não funciona dentro do nosso “mercado” de quadrinhos nacionais e com propriedade não tem receio de tocar na ferida de muitos. É fato que o quadrinho nacional padece de muitos pontos, principalmente de um mercado de físico. Não temos mercado! Temos espasmos aqui e ali, e boa parte do quadrinho brasileiro é feito através de produções independentes e o resto são pequenas apostas de editoras pequenas ou medianas dentro do filão de volumes feitos em sua maioria para livrarias a preços fora da nossa realidade. Não culpo as editoras. Culpo o mercado mesmo que não suporta material interno com uma concorrência justa. É muito mais fácil a Panini Comics vender um produto importado como Superman ou Homem-Aranha, que já se pagou lá fora e o que vier é lucro, do que investir no quadrinho nacional que envolverá muitos profissionais e todo mundo querendo sua fatia do bolo, como tem que ser... em tese.
Eu já falei disso não apenas uma, mas mais vezes que o autor nacional- doa a quem doer- não sabe criar. Não estou generalizando! Há muitos bons criadores, boas criações, bons roteiros e principalmente, ótimas artes. Mas criar não é só fazer páginas de ação, páginas cheias, meter um colorido aloprado e escrever algumas frases de efeito. Fazer quadrinho é planejamento com os dois pés no chão. Os caras já sonham logo em ser famosos, em ganhar muito dinheiro, em ser reconhecido no meio da rua, a ser venerado dentro de convenções e num é bem por aí. A realidade é outra. Desde que me conheço por criador independente eu vejo que muita gente mantém o otimismo. Eu também ainda acredito num mercado de quadrinhos genuinamente brasileiro, mas pra isso é preciso reaprender o modo de fazer e enxergar quadrinhos no Brasil. Tirar o estigma de que quadrinho tem que ser que nem o dos americanos principalmente. Não somos os Estados Unidos. Não somos o Japão ou a Europa. Somos o Brasil. Esse é o primeiro passo. Saber que somos do Brasil! Os caras querem criar HQs no Brasil, mas com ambientações estrangeiras, principalmente baseadas na arquitetura estadunidense. Já começa errando daí.
Eu disse isso inúmeras vezes, mas vale enfatizar: se somos brasileiros, nossas histórias precisam ter nossa realidade. Precisa se passar no Brasil, precisa ser não apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Precisa ser em São Luiz, em Manaus, no Rio Branco, em Recife, em Goiás, em Porto Velho e os nomes dos personagens precisam ser João, José, Manoel, Paulo e não Jack, Michael, Cindy, Peter... o brasileiro mesmo não sabe fazer por onde. Outra coisa que precisa ser entendida: não temos mercado interno, temos no máximo uma sombra externa. Fazemos quadrinhos “americanos” dentro de casa como se fossem quadrinhos nacionais. Não é assim. Não funciona assim. Nosso formato não precisa ser o americano, não precisa ter 22 páginas por edição e nem toda publicação precisa sempre ser colorida. No Japão e na Itália, por exemplo, os quadrinhos têm formato distinto e sua grande maioria é em preto e branco. E pela bunda de Júpiter: fazem sucessos! Mas o brasileiro insiste em ser “americano”. Não funciona. Se funcionasse teríamos mercado. Nós temos que ter nosso próprio jeito de fazer quadrinhos e quando falo isso, falo também do formato, periodicidade, adequação a nossa realidade e principalmente valores morais e financeiros.
O brasileiro acha que isso aqui é mercado americano, onde o quadrinho é cultural desde a raiz. Não adianta esbravejar, dizer que “ou é assim, ou num é”. Por que não é! Não temos mercado. Não temos empresas que invistam. Não temos qualidade profissional em alguns casos (não estou generalizando). Não é culpa de ninguém especifico. Mas acredite: ninguém vai ganhar por página no Brasil como se ganha lá fora. Se você disser: “pois eu só faço de for assim”, sabe o que um editor vai dizer pra você? Então procure outra profissão ou passe fome. Aí a editora compra os direitos de alguma publicação estrangeira mais em conta, lança aqui mais em conta e fica com a conta mais gorda do que se tivesse que trabalhar com um criador nacional. É preciso então baixar a cabeça? Não. É preciso entender que nosso mercado é outro. Esse é o ponto. Outra realidade e concessões precisam ser analisadas dos dois lados para que fique seguro para ambas as partes. Pode parecer simples, mas não é tão simples. Quando se envolver ego e dinheiro, o bom senso é o último a ser consultado.
Para ler a ótima entrevista no site Zine Brasil, clique AQUI. É muito boa mesmo.
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