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Ação Magazine (resenha quadrinhos) e a HQ Nacional


“Não dá para fazer nada repetindo as histórias de samurai e adolescentes moradores de Tóquio...(...)” e continua: “Porque teríamos que agir como inferiores aos outros, ou aturar termos como pejorativos como ‘Imitação de mangá’ ou ‘mangalóide’”? Esse é um trecho retirado do editorial da revista Ação Magazine #01, simplesmente a melhor proposta editorial que já vi para um quadrinho nacional em bancas e não, não estou exagerando. Antes de parecer leviano, vale frisar o “em bancas”. Sei que há muito material bom nacional por aí, mas a maioria esmagadora sai apenas em lojas especializadas com tiragens bem limitadas e o preço custando os dois olhos da cara. Que espécie de futuro nacional em quadrinhos essas pessoas esperam eu não sei. Primeiro que não chega ao povão que é quem manda elitizando o produto a um nicho pequeno. Sei que não é culpa de ninguém, temos um mercado interno complico, arriscado e ninguém quer apostar em algo incerto. O mais seguro parece ser investir em álbuns com tiragens pequenas e vender através de lojas especializadas e Internet. Mas a revista Ação Magazine vem para provar por A + B que é possível fazer uma revista de muita qualidade sair em bancas sim. E uma coisa pelo menos eu posso afirmar com alguma propriedade: quase tudo nacional que saiu numa banca de revista perto de minha casa, eu comprei. Não peguei a fase do quadrinho nacional dos anos de 1970 e 1980, mas peguei tudo que saiu do final do Século 20 para cá e infelizmente uma boa parte era ruim (pra não dizer praticamente tudo), ou tinha potencial, ou alguma coisa assim, mas não chegava a ser um produto pensado para brasileiros e sim um produto para brasileiros acostumados com o mercado estrangeiro em geral (lê-se americano e japonês).

Me diga quantos produtos em banca foram efetivamente feitos para o nosso mercado, mostrando exatamente nossa realidade? Tudo que vi foram HQs de super-heróis chupando o mercado estrangeiro em tudo: nomes, títulos, cenários, nada lembrava o Brasil, e quanto tentavam, ainda assim parecia que era um material estrangeiro disfarçado. Isso sempre me incomodou e muito. Ficava desgostoso com coisas como UFO Team, Godless, Amazing Muchachas, Spirit of Amazon, Victory e até mesmo sucessos como Holy Avenger que apesar das boas histórias e da ótima arte, parecia distante do Brasil. Isso sempre me frustrava bastante. Uma parte das HQs nacionais brasileiras que se passam no Brasil vem dos independentes que mal conseguem bancar uma cópia em Xerox ou uma porção de impressões em gráfica, mas não alcançam os brasileiros como deveria. Certa vez eu dei a fórmula de como deveria ser o quadrinho nacional no Brasil e vou resumir bem: Ação Magazines é a fórmula! Era disso que eu falava o tempo todo. Uma revista mix com HQs fechadas (por mais tenha possíveis ganchos adiante) sem o famoso “continua...”. A Ação Magazine supriu todas as minhas expectativas. Em tudo! Editorialmente a revista é uma aula de como produzir uma revista para o mercado nacional. Os idealizadores pensaram antes de sair fazendo uma série de besteiras afobadas e se reservaram primeiro a contar a história bem contada. Isso por si só já é uma vitória da inteligência. A arte das HQs são condizentes, fazem seu trabalho e são tão profissionais quanto o esquema editorial pede. O formato é o melhor, de classe e bom senso: capa color e miolo preto e branco. São mais de 160 páginas de quadrinhos no estilo mangá voltado para o brasileiro, com três boas HQs e com um preço fantástico de R$ 9,90. ESSA é HQ brasileira, não importa o estilo aqui usado. Essa é a fórmula. O mapa da mina!

Tenho certeza que essas pessoas envolvidas aqui pensaram primeiramente em seus projetos, em suas histórias e em como contá-las. Foram condizentes com nossa realidade e com certeza abriram mão de algumas regalias para que a revista chegasse nesse formato tão agradável. O problema do autor nacional em muitos casos (sem querer generalizar, que fique claro) é achar que o mercado brasileiro pode ser igual ao mercado americano, por exemplo. Achar que vai vender sua página entre 150 a 300 dólares, ficar rico e famoso da noite pro dia. Ir nas convenções e ser louvado por um séquito de tietes. Nossa realidade é outra! Sei que há alguns criadores xiitas que acham que podem ditar um mercado, inflamar valores e conseguir números iguais aos grandes centros, e é por isso que essas mesmas pessoas continuam reclamando que o quadrinho nacional não vai pra frente, que sua criação é a “última bolacha do pacote”, mas fica limitado a meras produções independentes bancadas do bolso ou pior: de graça na Internet. Se é pra dar de graça na net, puxa, vende teu material a um preço mais modesto para quem quer editar impresso. Eu sou um criador simples, não tenho grandes pretensões. Não sou um bom roteirista e um desenhista pior ainda, mas pelo menos eu acho que tenho algum crédito depois de tanto ler e ler quadrinhos de todos os tipos. Isso molda a cabeça da gente. Sou um fanzineiro veterano, já errei muito, acertei um ou outra aqui e ali, mas se eu tivesse a chance de criar uma revista de quadrinhos nacional, eu faria igual a Ação Magazine.

Com três HQs no estilo mangá, a revista se mostra concisa, fiel a sua proposta e com uma qualidade que pouco vi numa revista nacional de bancas. Começar por Jairo, uma HQ sobre boxe escrito por Michelle Lys e Renato Csar com arte bem executada de Altair Messias. O ambiente é nacional, os personagens têm nomes brasileiros e toda a ideia idem. Jairo mostra um garoto que vai morar com os tios após algo grave ter acontecido com sua família. Se mostrando um estranho no ninho, Jairo pega uma briga feia na escola e para manter-se na linha resolve praticar um esporte como ajuda para se controlar e acaba ingressando no boxe. O garoto visa o Rio 2016 como foco principal de sua vida. Sendo um aluno mediano e tendo alguns poucos amigos, é no drama familiar que a HQ se destaca, mesmo que de forma sutil sem cair na armadilha fácil do chorôrô medíocre que alguns criadores típicos de mangá acabam enveredando. Os roteiristas Csar e Lys mantém o humor, a boa dose de ação e a família em planos distintos, mas unidos. Essa HQ promete bastante. O traço de Messias é ótimo e traduz com maestria tudo isso.

Tunado de Maurílio DNA e Victor Stang é para quem gosta de carros e velocidade. A arte de Strang é muito versátil e as cenas de corrida e cenários estão um espetáculo só. A trama cedida por Maurílio também não fica atrás e coloca um garoto chamado Daniel para correr nas ruas com seu... Chevette! Isso mesmo! É muito bacana essa raiz nacional aqui presente! O texto é muito coeso, nada muito esticado cheio de enrolação. É um roteiro que flui naturalmente com diálogos bem escritos de forma singular. A trama não tem o mesmo peso dramático de Jairo, mas em contrapartida é bastante divertido e leve, o que torna a leitura bem agradável. Por último e não menos importante está Madenka! uma obra criado por Will Walbr que está mais para um universo ficcional do tipo Dragonball onde há vilas, muitos morros pelo cenário e humanos e criaturas antropomórficos convivem normalmente. Madenka! é uma típica HQs de ação e aventura sobre como ser um grande herói. E você me diz: “E onde estão as características nacionais que você tanto arrotou no começo, Edvanio”? Nesse caso ele é especifico. O criador criou um universo ficcional mais elástico sem se prender a nossa realidade, no entanto, o folclore brasileiro (bingo!) está incluso em sua HQ com Sacis e Cucas. E cara: adorei a interpretação do Saci. Algo que me deixou realmente com a cabeça a mil. Genial! Todo o material da revista é nota dez. A única ressalva fica para a fonte dos diálogos que deixa a leitura às vezes ruim por ser uma fonte muito “apertadinha”, fora isso, tá show.

A edição ainda tem três matérias: sobre tecnologia, autores de livros de ficção brasileiros e Internet. A capa tem uma diagramação muito bonita. Estou efetivamente apaixonado pelo projeto e não vejo a hora de comprar a segunda edição. E que fique explícito: não foi a Editora Abril, Conrad, Globo e a Panini (e aquela bucha de DC Made in Brasil pra burro reler e mais sobre o assunto AQUI) que produziu algo genuinamente brasileiro, foi a Lancaster! Parabéns ao pessoal, parabéns aos editores, criadores, redatores e colaboradores pela proposta editorial. Torço e muito para que a revista continue com essa qualidade gráfica, editorial e principalmente, o bom nível de HQs- e isso é imprescindível. Agora uma sacada: não é Watchmen, não é Cavaleiro das Trevas, não vai ganhar o Eisner Awards de 2012, pelos céus. As pessoas têm a péssima mania de fazer comparações exageradas, de querer ver a aparição de Nossa Senhora em tudo criando expectativas fora da escala. É apenas um material modesto que vende o que propõe: entretenimento divertido e boa qualidade. Fique com isso em mente antes de sair cuspindo pra tudo que é lado.

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